Não tinha dormido muito bem, porém não
carecia de reclamar sobre isso. Uma noite qualquer como qualquer noite, não
teria sido a última, mas tinha sido diferente. Tomou banho, abriu a porta e
saiu. Tudo bem que o estresse de dias e mais dias o deixava louco, entretanto
não se lembrou de ser feriado. Até olhou no relógio várias vezes para saber se
estava no tempo certo. Estava.
Ruas quase vazias, mas ainda assim passos de
lá e cá apareciam por ali. Chegou até a padaria, a mesma padaria de sempre.
Percebeu que eram funcionários diferentes. O Tião da chapa não estava lá, a
senhora gorda com o poodle também não. Nem a menina do caixa era a mesma. O pão
não veio como sempre pediu. Perguntou pelo chapeiro, mas ninguém ali conhecia o
Tião, a velha gorda , o poodle ou a menina do caixa. E a padaria era a mesma.
Contrariado, pagou por tudo e saiu. Costumava
caminhar até o trabalho, o cardiologista recomendou meses atrás, parou na
esquina, Certificou-se de que estava no horário, e os carros não passavam.
Incrível. Parou na banca do Bigode, que não estava lá. A moça que o atenderia
não conhecia o Bigode, provavelmente nem o Tião, a velha gorda, o poodle ou a
menina do caixa. Ainda assim, venderia o jornal do dia, que alertava ser aquele
dia mesmo.
Não comprou. Na penúltima esquina antes do
trabalho, gostaria de entrar no restaurante de sempre, mas as portas ainda se
fechavam a ele. Lamentou. Avistou o engraxate na entrada do prédio da empresa.
Piorou a lógica, havia um engraxate, no entanto era outro menino por lá, que sorriu a ele e ofereceu graxa.
Estava no meio da lógica absurda, mesmo
lugar, pessoas não. E parece que tentaria algo mais arriscado, porém as meninas
da portaria eram diferentes, sabiam que ele era e onde trabalhava, não pediram seu crachá, que passou perfeitamente e acessou o sexto andar.
Ao passar pela recepção, viu que não era a
Roberta da recepção, mesmo que a menina sorrisse e o cumprimentasse. Ele parou,
saiu, olhou o nome e teve certeza de que estava louco porque tinha certeza de
que estava certo. E viraria um caos ao chamá-lo pelo nome. A contrariedade não
permitiu retribuir. Passou correndo pela recepção. Não eram o João, do
Financeiro, o Paulo, do Marketing ou a Cleide do RH. Não eram. Eram outros, que
sorriram a ele como sorririam o Tião, a velha gorda, a menina do caixa, o
Bigode, o engraxate, a Roberta, o João, o Paulo, a Cleide e até o poodle.
O mundo dos sorrisos se chocava com a sisuda
e desesperada expressão do homem, que saiu correndo dali e se sentou em frente
ao elevador. Sentiu-se zonzo, como se o mundo estivesse fugindo dele. Como se a
vida tivesse escapado de si. Foi então que o elevador apitou e a porta se
abriu. Chamado pelo nome, ele reconheceu aquela voz, entretanto não queria ter
aberto os olhos e abriu e olhou e tudo se findaria ali, quando viu a avó
sorrindo e convidando a uma caminhada. Ele se levantou e quase sorriu, porque o
casaco de lã jogado às suas costas aqueceu-o por completo e o protegeria de
todos os estranhos por ali.
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