No
carro apenas o som do rádio e a respiração do casal. Ela olhando o nada, com
uma pista martelando a sua mente e ele olhando o trânsito com nada além da
pista. “Falo, não falo”, pensou. “Passo, não passo”, pensou. Quando ela viu que
poderia falar e acabar com tudo, no momento da primeira vogal, o acorde daquele
velho rock’n’n’roll entrou no carro e sentou ao lado dele, que, sem titubear,
aumentou o volume, e começou a martelar o volante.
-
Amor, será que você poderia abaixar o volume, porque...
-
Amor, instante! Depois desse som...
-
É que eu...
Agora
ele entoava perfeitamente a primeira estrofe.
-
Acho que o que eu tenho pra falar é...
-“Well
gidy up gidy up and get away, we're goin' crazy and we're goin' today…”
-
Amor, por favor…
- “Here we go, rockin’ all over the world”.
Hora da
parte instrumental, momento excelente para ela abaixar o volume...
-
Amor! Imagina! – aumentando o volume – Essa parte é ótima, ouça esses metais!
-
Querido, será que eu poso falar???
- Mas, por Deus, espere esse som acabar, mais 2 minutos! – disse ritmando com a
bateria os movimentos da cabeça.
Mas
ela não poderia esperar, tentou mais uma vez...
-
Por favor, será que você pode baixar esse...
-“I'm gonna tell
your mama what you're gonna do, so come on out with your dancing shoes…”.
Então,
tomada por uma insanidade previsível, ela berrou cinco mil decibéis mais alto
que o volume 18 daquele som:
-
Abaixa a porra desse som!!!
Ele,
numa expressão aterrorizada e surpresa, obedeceu à ordem do dia, baixou tudo o que
poderia e com aquele olhar de “espero que
seja algo realmente importante, porque a última parte da música também é muito
boa e, quando uma música é muito boa, deve-se prestar uma reverência a ela
escutando-a até o final” disse:
-
Diga...
Sentiu
que era tudo ou nada, que deveria decidir sua vida antes da próxima curva e que
tudo poderia depender da resposta que ele daria. Seria o silêncio até o destino
final daquela viagem e o fim da viagem juntos ou o alívio para o resto de sua
vida e sem mais delongas, emendou:
- Aquele SP Eventos na fatura do cartão de crédito, você não me levou a nenhum
motel nesses últimos meses! Como você pôde?! – já com lágrimas nos olhos
Ele
parou incrédulo, olhou com aqueles olhos arregalados - que poderiam simbolizar
desde um ultraje, até uma revelação ou até um “você me fez abaixar o volume para dizer isso?! E eu que pensei que
fosse algo realmente importante,
porque a última parte da música também é muito boa e, quando uma música é muito
boa, deve-se prestar uma reverência a ela escutando-a até o final” – e
disse:
- Emprestei o cartão para o Rubão, que estava caído de grana e precisava
impressionar a menina...
-
Como?! Como?! Você acha que eu acredito nisso?!
-
Creia no que você quiser...
E
voltou a aumentar o volume, mas a música já havia terminado. A curva já havia
passado, assim como a música, mas as dúvidas ainda tocavam alguns acordes por
lá. O silêncio se fez de novo e nenhuma outra música tocaria até o fim do
trajeto.
Chegaram
em casa. Ela quieta, ele também. Quando entraram, o pisca da secretária
eletrônica piscando. Ela acionou as duas mensagens, uma da mãe e a outra do
Rubão. Ela escutou chorando a última e se atirou nos braços dele pedindo
desculpas. Acabaram a briga na cama. Minutos depois, ainda nus, ele no
banheiro, ela na cama:
-
Amor, posso dizer à mamãe que vamos almoçar lá amanhã?
-
Claro!
-
Vou ligar para ela então.
Pegou
o telefone e acionou o redial.
-
Alô?
-
Quem fala?
-
Rubens...
“I'm gonna tell your mama what you're gonna do, so come on out with your dancing shoes…”.
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