Diria uma sábia avó que tudo se resolve na
mesa. Alegrias e tristezas, rancores e remorsos, para cada sentimento uma
iguaria, para cada sensação um tempero. O ser humano aprende desde sempre a
culpar algo ou alguém e a mesa acaba sendo o divã natural da vida.
Mas ainda ela não nos será importante. Fato é
que há anos o avô queria uma linha telefônica. O ano era 1975, o já velho homem
começou a contar as moedas da aposentadoria e viu que, se economizasse
bastante, conseguiria, em 5 anos uma linha para a senhora, a filha e os dois
netos.
Estava fissurado na história. Dizia que todo
ser digno merecia um telefone, porque sempre foi dado às coisas do futuro,
sempre foi dado aos inventos mundanos. Gabava-se de ter dois rádios de pilha e
um TV preto e branco. Ninguém além dele poderia ligar os aparelhos, porque
ninguém além dele saberia manuseá-los.
Todas as questões tecnológicas passavam por
ele. Em 1976, disse a todos que já existia nos Estados Unidos um forno em forma
de TV, que se podia ver a água ferver e a pipoca pular. Disse também que havia
um aparelho que colocava as imagens no TV na hora que se desejasse.
E endossava a teoria de que “se Neil
Armstrong realmente fora à Lua, por que o homem não conseguiria fazer aparelhos
dos sonhos? Por que ele mesmo, ainda que velho, não poderia usá-los para
visitar a Lua e tocar as estrelas?”.
Três anos mais, leu numa revista no barbeiro
que no Japão o tal sonhado e perto telefone já poderia andar pelas ruas, que o
tal celular seria uma moda avassaladora. Foi nessa tarde que saiu correndo pra
contar as economias que guardava no cofre secular do pai e se aliviou, estava
perto de tudo. E que se o tal celular realmente viesse a existir, o Brasil
demoraria anos ainda para tal.
E foi numa tarde de agosto que reuniu a
família no jantar, pediu para a esposa comprar carne e fazê-la naquele jantar,
porque haveria uma notícia importante a dar a todos. Sim, foi durante o filé
mignon ao molho madeira, que ele tinha a grande notícia: o telefone estava
ligando àquela família.
Aplausos. Os quase adolescentes vibraram, a
filha chorou e a esposa não se continha. Sim. Depois de 4 anos, um a menos,
valeu a pena a falta de carne e de peixe. Porque agora estariam ligados ao
mundo. Os Rubiões teriam o primeiro telefone na vida.
Começaram as discussões a quem ligariam
primeiro, risadas e alegrias, regadas a um tempero fenomenal, a uma iguaria
única, a felicidade. Na manhã seguinte, ele mesmo estava na Telesp requisitando
uma linha, prometida para duas semanas. Saiu de lá e se deu ao luxo, ainda com
a economia, de comprar um champanhe para ocasião e um quilo de bacalhau.
4 anos voaram, mas 7 dias não. O avô não
cabia em si, todas as manhãs e tardes ele ficava à espreita, talvez a Telesp
errasse pra menos. Porém a noite anterior ao dia veio, e com ela trouxe mais do
que uma lua linda, e estrelas cintilantes, trouxe o sono eterno do patriarca,
que morreria durante o sono e não mais acordaria.
Foi durante a madrugada, quando a avó acordou
e pediu para ele um copo d’água. Ele não apenas se calava, como o corpo não
respondia nem a respiração balbuciava. Prantos. Choros. Os vizinhos acordaram. Os
netos não criam e a filha lamentava.
A rua amanheceu triste. Rubião estava calado,
prestes a realizar seu maior sonho. Puseram-no na sala, e o vaivém alucinante
da vizinhança se calou quando a campainha tocou. A ordem de serviço mandava
instalar o aparelho. O rapaz entrou assustado e mais assustado ainda quando
acatou o pedido de todos, que choravam ainda mais com o sonho do avô.
Ele tomou a água e começou a trabalhar. A avó
deixou a filha com os vizinhos e seguiu para a cozinha. Em alguns minutos, o
cheiro tomou conta do local. Não era apenas o bacalhau, regado a azeite, muito
azeite, como pediu o marido, eram as batatas, os pimentões, as cebolas e o
arroz.
Os vizinhos saíram. E o instalador seguia o
séquito, até ser parado pela família, os únicos 4 Rubiões que restavam nessa
vida. O convite foi feito e ele teve de aceitar. Como citado no início da
história, a sábia avó endossava mais uma vez as palavras: “tudo se resolve na
mesa”.
E, naquela tarde, o rapaz comeu o melhor
bacalhau de sua vida e a família deixou – até quando o carro funerário apareceu
– o aparelho nas mãos frias daquele sonhador, que não experimentou o melhor
bacalhau do mundo nem atendeu à primeira chamada, mas que deveria estar agora mais
perto da Lua de Neil Armstrong, tocando as estrelas.
uma bela escrita
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