4 anos de casamento e a rotina aparecia em
todos os cômodos, era mais presente que o casal neles. Sentava à mesa, lia o
jornal, assistia à novela, dormia entre ambos. Até mesmo na escrivaninha da
arma ela já esteve, um suicídio seria ótimo, mas não seria o caso por enquanto.
Ele, profissional de vendas, ela, arquiteta
com poucos projetos. Ao menos se o trabalho lhe fosse sombra, talvez a moça não
teria se inscrito num curso de francês, não teria aprendido a falar “eu te amo”
em outra língua, a mesma língua que o rapaz de 25 anos também aprendia a amar.
Formando da segunda faculdade, ainda tinha a
pretensão de conseguir pagar uma conta de luz à mãe, viúva há anos do marido
coronel.
Talvez tenha sido no primeiro dia ou até
mesmo na segunda semana, quando aceitou o café depois da aula. Com a desculpa
de retomar os verbos, eles passaram a se ver com frequência e se viram
envolvidos, porque se viam mais que as duas vezes semanais.
Ele pegou na mão dela, ela não recuou, mesmo
que a dele lhe tocasse a aliança. Um beijo de despedida no canto da boca, troca
de mensagens durante a aula e um beijo fervoroso após isso. No dia seguinte,
eles estavam entregues, ela como há tempos e ele como nunca.
A paixão e o perigo cresciam, porque projetos
imaginários começaram a aparecer de repente. O celular vivia na bolsa e no
silencioso, e as idas ao banheiro eram mais frequentes, sempre com o aparelho
escondido.
Um mês, dois meses. Até que numa tarde de
chuva, ele aparece de surpresa na casa dela. O marido num cliente do outro lado
da cidade, porque ela falara que sairia também. E, pela intensidade dos pingos,
ele demoraria mais que de costume. Ela não recuou, pelo contrário abriu mais do
que as portas, e eles transaram em todos os cômodos, deixando a monotonia sem
ambiente.
A chuva descia forte, e ambos estavam
deitados na cama do casal. Com a paz reinando, o sono foi inevitável, e
dormiram profundamente. Não escutaram a porta se abrir. Não ouviram os passos
na escada. Não escutaram coisa alguma.
O marido entrou e viu os dois deitados, no
mesmo instante em que a esposa acordava assustada e, ainda zonza e tensa, via
que a moça já sem o sutiã deixava escapar um “puta que pariu” inconfundível
pelo corredor. O rapaz não acordou e foi a vez de o marido recuar.
O divórcio foi amigável e, por precaução e
segurança, ninguém quis ficar com a arma, mas a escrivaninha continua ali,
ocupando o lugar da monotonia.
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