Tudo
bem que os 9 anos de todos de lá não poderiam ser capazes de imaginar o sabor
disso tudo. Mas se os atores beijavam pra valer, valia o ensaio após as aulas.
Até
mesmo o Otavinho, com seus óculos e pernas grossos sonhavam dia e noite para a
audição do papel. Tinham de declamar uma poesia simples, por não mais que 1
minuto. Havia cerca de 28 meninos, babando e sedentos por tudo aquilo.
De
acordo com a conta deles, seriam duas semanas de ensaio, ou seja, duas semanas
beijando a Juliana era melhor que qualquer 10 em Matemática. Houve quem
entrasse virando estrela. Houve quem gaguejasse, houve até quem nem aparecesse.
E
houve o ideal. Um Clark Gable mirim, educado, pontual. Uma impostação de voz
absurdamente perfeita. Uma dicção de fazer inveja. Sim, ele de novo, o Otavinho
o odiava, os meninos o odiavam, e as meninas eram perdidamente loucas por ele.
Alessandro Dias, uma lenda.
Diziam
que ninguém tinha o cabelo mais bem arrumado que ele. Ninguém tinha os olhos
verdes mais vivos que ele. 10 em tudo. Estupendo lutador de judô e um
centroavante rápido demais. Os professores o adoravam. E agora ele se revelava
um ator de primeira. Declamou a poesia cantando, dançando, um artista completo.
Não
tinha quase amigos. Diziam as más línguas que o judô era um convite a tentá-lo
colocar no tatame, porém ninguém ainda conseguiu. O menino cheirava a hortelã
entre as várias balas. Cheirava bem mesmo depois das corridas pela quadra:
único.
Menos
da metade dos meninos assumiu o papel, o Otavinho era o sapo da peça. Que se
tornaria príncipe e quem beijaria Juliana. De uma forma ou outra, Alessandro e
o sapo tinham um elo. Haveria a evolução, e temos a certeza de que o rechonchudo
míope sonhou em virar aquela lenda popular noites e noites.
Se
reconfortava, a professora de artes aconselhou que o beijo fosse dado apenas no
dia da apresentação. Os ensaios serviam fielmente a tudo, exceto ao beijo, que
acontecia de longe. Os sorrisos de todos estavam lá. Exceto do príncipe, que
tinha de engolir apenas as balas. Diziam que ele até sabia beijar de língua,
por mais que somente a dele tivesse tocado gomas.
Mas
como a fama do deus-menino era tamanha, criam todos que ele realmente saberia
dar e ensinar aos demais. Noite de apresentação. Teatro lotado. Cenário
impecável, atropelos na coxia. Diziam que o príncipe cercava a princesa em
sussurros e assédios. Até redobrara a carga de hortelã para a noite.
Os
demais se esqueciam do beijo e pensavam apenas em fazer lindo aos pais e
convidados. Um ato antes do beijo. O par se encontrou na coxia. As balas haviam
acabado, e Juliana sentiu o cheiro da verdade: decididamente, o menino era
Clark Gable, que tinha fama de mau hálito, endossado pelo único defeito do
príncipe.
Enojada
com a cena seguinte, ela desviou-se do sorriso sacana do menino, invadiu o
palco e lascou um beijo longo e terno nos doces lábios de Otavinho, que sentiu
embaçar as lentes e não fechou os olhos para ver se realmente era aquilo que
ocorria. E foi.
Os
aplausos não foram apenas na plateia, os meninos de toda a escola ovacionaram o
novo Don Juan, que não soube como reagir após isso. Dizem que Alessandro deu um
chilique, tirou a roupa e não quis entrar no palco.
Dizem
que Otavinho assumiu o posto e que a roupa não fechou direito e as calças
caíram durante a apresentação. Porém ser pego de calças na mão já era uma
experiência rotineira ao sapo mais sortudo do mundo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário