quarta-feira, 3 de julho de 2013

REGOZIJO

Sofria um homem solitário. Rezava para ser levado daquele mundo, tampava a luz que recebia. Rezou tanto, pediu tanto que adormeceu e se viu sentado à beira de um rio, e nele estava um homem, que olhou-o, sorriu e falou:

Não criei a solidão, apenas deixei de criar algo. E quando o veredicto de solidão é proferido, o homem condena o esforço alheio, nunca o próprio. É automático, punir-se por causa de si mesmo não está coeso ao fato da solidão, que, de tão egoísta, acaba por ser preguiçosa e covarde.

A solidão tem novos companheiros, justamente ela que nasceu para não existir, ou apenas ser um estado, acabando pondo permanência e sendo invocada nos momentos mais perigosos. E disso decorre a morte. Umas vezes  por minha  vontade, outras  pela  vontade  alheia. E eis o mistério do universo, a morte, desejada por maledicências, desejada pelos homens, mas sempre batizada por Deus. E sou assim, vida e morte, em uma fonte que somente começa.

Mas, às vezes, o cansaço me alveja, cansa-me tanta falta de fé, cansa-me tanto exagero nela. Pedi amor e mais nada, nada exijo, nada  puno.  Ora, criei o livre-arbítrio para isso, e a culpa é minha?! Minha?! Logo eu que deixo a vida aos homens e interfiro indiretamente, jogando oportunidades e mais oportunidades. De que culpa sou merecedor se as pessoas não percebem que a vida é muito mais que desejar, que os  desejos estão aí,  frente a frente com eles, e não percebem isso.

Passam o tempo lamentando o presente e esquecem que o futuro está sempre e apenas a um passo adiante, de mão estendida, à espera da mão certa, a mão que nasceu para apertar-lhe os anseios não lhe chega, mas vai ao encontro das lágrimas e do desespero. Mal sabem dos sentimentos que possuem, confundem carne e espírito, misturam com amor e acham-se injustas aos meus olhos por algo que jamais creram, não pararam para escutar o que estava errado, o que estava certo.

Confundem visões e ilusões e quando tudo os leva a crer que a felicidade está ao lado, desmerecem-na e deixam-na de lado, e eu sou o culpado. O homem é uma tentação a minha fé, uma bela tentação. Como o homem não sabendo  quase nada  de  fé pode ser, ao mesmo tempo, um antídoto contra ela?

Agora, é a morte. O que dizer sobre a morte, o que falar dela e como justificá-la aos padrões humanos algo que nasce da vida e para a vida e a favor dela retorna? Dar água a quem dela carece, dar fogo a quem dele carece. Dar vida a quem dela carece e dar morte a quem dela carece. E o que seria a vida a quem nela se inuma?  E da morte a quem nela se inclui? Dou ar a quem na vida se encontra e dou doença a quem na morte o faz. E ar e doença são os prefácios dessas distinções, como distintas são a dor e a luz, como iguais são a morte e a vida.

São almas gêmeas precisam uma da outra para existir. Como o fogo carece  da água,  como a  dor carece do  ar, como a escuridão carece da luz. E se dei o livre-arbítrio a todos, cada um tem a própria preferência. Nasceu o problema, a solução está ali. Mas a fé em mim ainda continua sendo forte. E quem tem em mim o salvador tem em si próprio a coragem de vencer.

Crê em mim que sou luz, sou homem, sou vida e morte. Sou carne e alma, pranto e sorriso, sou silêncio, grito, homem e mulher, além de ter a forma que quiser, sou crença, fé, posso ver, fazer, tudo aquilo que eu possa merecer.   Não recebo, apenas ofereço”.

E então, o solitário acordou, jurou ter sonhado algo bom, mas não se lembrou de nada, apenas sentiu coragem para olhar mais uma vez para a própria vida.

 

2 comentários:

  1. Que texto incrível, Adriano! Meus parabéns! Começar o dia lendo algo tão bonito é tão bom quanto café da manhã. Abraço!

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    1. Que beleza, Vanderson, muito bom tocar as pessoas com algumas palavras! Obrigado e abraço!

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