quarta-feira, 24 de julho de 2013

FALA COMIGO!

Que trabalhar também é uma comprovação de que você conviva com seres que jamais seriam seus amigos é um fato, entretanto nunca ter trocado palavra alguma com algumas pessoas da empresa, mesmo dividindo o mesmo elevador, e a dois, já passa a ser caso crônico para um leproso.

Nem um bom-dia sequer, e olha que a moça era falante, mas respeitava o silêncio alheio. Aquele senhor carrancudo, engravatado, chefe do setor financeiro tinha lá seus traços de avô, mas a voz cega. Diziam os mais próximos que era homem de poucas palavras mesmo, que nem mesmo a secretária, próxima há mais de 10 anos conseguia arrancar pouca coisa.

Nas reuniões de diretoria, era sempre breve, falava o necessário, exemplo típico de competência com silêncio, Os 10 subordinados conseguiam arrancar um menear de cabeça no cumprimento. Da hora que entrava na sala, metia-se no trabalho. O telefone só tocava para coisa particulares. 

Porém, assim como ele, a família pouco ligava, ficando à secretária como voz dele. 

Quis o destino que o senhor fosse pontual. Às 7h30 estava no elevador, assim como a auxiliar-administrativo. Queria  destino que se falassem. Emparelhavam-se todas as manhãs, mas o bom-dia dela sempre ficava no ar. Nenhum olhar. E aqui não se sabe o que mais se perpetuava: o silêncio dele ou a insistência dela.

Curioso era o ritual entre eles, ela nunca falou dos encontros a ninguém, ele, muito menos. Todas as 7h30 de segunda a sexta eram regados ao solo e ao silêncio. Talvez fosse uma espécie de desafio entre ambos. O "eu vou insistir" contra o "jamais conseguirá".

10 meses depois, e naquela manhã ela tentou algo ousado. Quando entraram, além da saudação apareceu um "o senhor sabe quanto está o dólar?". Ele mal respirou. Parecia ter aberto a boca um pouco, mas era para espirrar. Saiu como de costume no 5° andar e ganhou um irritado "obrigada pela atenção".

Semanas depois, foi a vez de um "a poupança é um investimento seguro?". Seguiram-se outras mais tentativas, e nada.

Até que uma virose tirou-a por duas semanas do trabalho. Ficou internada, voltando à empresa sob cuidados e zelos. Uma manhã fria aquela, fazia 5 graus, e lá estavam os dois. Emparelhados. A porta do elevador se abriu, a porta fechou, ela quase como um piscar de olhos, diria um "bom dia", mas calou-se imediatamente quando escutou: "Que frio".

Ela ficou muda e muda ficou mais ainda quando ele saiu e disse um bom-dia seco, ainda que houvesse música naquilo. Ela entrou sorrindo no oitavo andar e sorriu mais ainda pela calorosa recepção que teve dos colegas de trabalho.

E seguiram e seguirão mais semanas emparelhados, ele nunca mais abriu nem abrirá a boca, ela jamais deixou  nem deixará de cumprimentá-lo. Mas ambos tiveram a certeza de uma coisa: aquela semana foi a mais fria do ano.

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