Sofria um homem solitário. Rezava para
ser levado daquele mundo, tampava a luz que recebia. Rezou tanto, pediu tanto
que adormeceu e se viu sentado à beira de um rio, e nele estava um homem, que
olhou-o, sorriu e falou:
“Não
criei a solidão, apenas deixei de criar algo. E quando o veredicto de solidão é
proferido, o homem condena o esforço alheio, nunca o próprio. É automático,
punir-se por causa de si mesmo não está coeso ao fato da solidão, que, de tão
egoísta, acaba por ser preguiçosa e covarde.
A
solidão tem novos companheiros, justamente ela que nasceu para não existir, ou
apenas ser um estado, acabando pondo permanência e sendo invocada nos momentos
mais perigosos. E disso decorre a morte. Umas
vezes por minha vontade, outras pela
vontade alheia. E eis o mistério do
universo, a morte, desejada por maledicências, desejada pelos homens, mas
sempre batizada por Deus. E sou assim, vida e morte, em uma fonte que somente
começa.
Mas,
às vezes, o cansaço me alveja, cansa-me tanta falta de fé, cansa-me tanto
exagero nela. Pedi amor e mais nada, nada exijo, nada puno.
Ora, criei o livre-arbítrio para isso, e a culpa é minha?! Minha?! Logo
eu que deixo a vida aos homens e interfiro indiretamente, jogando oportunidades
e mais oportunidades. De que culpa sou merecedor se as pessoas não percebem que
a vida é muito mais que desejar, que os
desejos estão aí, frente a frente
com eles, e não percebem isso.
Passam
o tempo lamentando o presente e esquecem que o futuro está sempre e apenas a um
passo adiante, de mão estendida, à espera da mão certa, a mão que nasceu para
apertar-lhe os anseios não lhe chega, mas vai ao encontro das lágrimas e do
desespero. Mal sabem dos sentimentos que possuem, confundem carne e espírito, misturam com amor e acham-se injustas aos
meus olhos por algo que jamais creram, não pararam para escutar o que estava
errado, o que estava certo.
Confundem
visões e ilusões e quando tudo os leva a crer que a felicidade está ao lado,
desmerecem-na e deixam-na de lado, e eu sou o culpado. O homem é uma tentação a
minha fé, uma bela tentação. Como o homem não sabendo quase nada
de fé pode ser, ao mesmo tempo,
um antídoto contra ela?
Agora,
é a morte. O que dizer sobre a morte, o que falar dela e como justificá-la aos
padrões humanos algo que nasce da vida e para a vida e a favor dela retorna? Dar
água a quem dela carece, dar fogo a quem dele carece. Dar vida a quem dela
carece e dar morte a quem dela carece. E o que seria a vida a quem nela se
inuma? E da morte a quem nela se inclui?
Dou ar a quem na vida se encontra e dou doença a quem na morte o faz. E ar e
doença são os prefácios dessas distinções, como distintas são a dor e a luz,
como iguais são a morte e a vida.
São
almas gêmeas precisam uma da outra para existir. Como o fogo carece da água,
como a dor carece do ar, como a escuridão carece da luz. E se dei
o livre-arbítrio a todos, cada um tem a própria preferência. Nasceu o problema,
a solução está ali. Mas a fé em mim ainda continua sendo forte. E quem tem em
mim o salvador tem em si próprio a coragem de vencer.
Crê
em mim que sou luz, sou homem, sou vida e morte. Sou carne e alma, pranto e
sorriso, sou silêncio, grito, homem e mulher, além de ter a forma que quiser, sou
crença, fé, posso ver, fazer, tudo aquilo que eu possa merecer. Não
recebo, apenas ofereço”.
E então, o solitário acordou, jurou
ter sonhado algo bom, mas não se lembrou de nada, apenas sentiu coragem para
olhar mais uma vez para a própria vida.