terça-feira, 5 de julho de 2016

COISAS DO FUTEBOL

Quem conhece futebol conhece a cena, último jogo do campeonato de pontos corridos. Time da casa enfrentando o penúltimo e já rebaixado adversário. Precisando apenas de um empate para levar o título que há anos não vê. Casa lotada, imprensa internacional por lá.

Com a média de gols extraordinária, mais de 100, a equipe era base da seleção do país. Orgulho da cidade, inveja dos coirmãos. Faixas de campeão vendidas a rodo, fogos a semana inteira anunciando o óbvio, um natal mais feliz a idosos, que relembravam os anos de glória, e a crianças, que finalmente devolveriam tudo que vinham sofrendo.

Domingo já de férias, clima agradável, ingressos nem com cambistas, transmissão até para a cidade onde seria a final. O estádio quase veio abaixo quando os iminentes campeões apareceram no gramado. Fogos, fumaça, papéis higiênicos num clima retro brindavam o título.

5 minutos, 10, quase e nada do adversário aparecer. Ganhar o jogo por WO não seria digno para todos. Até que o massagista dos rebaixados entra em campo e puxa o árbitro para um à parte. Por uma questão absurda de logística e incomum, o uniforme dos jogadores tinha sido desviado sabe-se lá pra onde.

Sim, sabe-se lá como, a bagagem com os uniformes foi extraviada e eles não tinham como entrar em campo. Caos. Discussões entre dirigentes. A notícia chegava às arquibancadas, deixando a festa com um sabor meio amargo. Depois de quase meia hora, a hecatombe foi aceita: o adversário jogaria com o conjunto do uniforme número 3 dos da casa.

O branco seria páreo contrastante ao azul. Festa retomada e, em minutos, estavam em campo. Nada seria motivo pra se estragar o clima. Hino Nacional em uníssono, palmas, e o apito soava como um bálsamo, bola em jogo e, em dois minutos, já na trave dos rebaixados. Um uníssono “uuuuuuu” foi ecoado por lá. O gol seria questão de minutos, e foi.

Num contra-ataque avassalador, a torcida mal pôde crer, sim. Os de azul abriam o placar. Sim. Agora, para ser campeão, o time da casa precisava fazer um gol. Perdiam. Isso não calou de vez os torcedores, que se inflamavam e viam, de novo, outra bola na trave. O empate era iminente. E permaneceu iminente com mais três chances claras de gol, e ficou mais iminente quando o zagueiro tirou a bola em cima da linha, e ficou iminente até o término da primeira etapa.

O intervalo foi um silêncio. A iminência do gol de empate voltava junto com o canto das arquibancadas e o time da casa, com mais um atacante. E o gol de empate ficou iminente naquele contra-ataque em que o goleiro fez um milagre. E mais iminente ainda quando a quarta bola na trave ressoou por ali.

Mas não tão iminente, quando o centroavante avançou livre, e o lateral, num carrinho por trás, fez pênalti e acabou expulso. O estádio veio abaixo. Fogos, cantos e aquele terremoto branco presente. O meia, artilheiro do campeonato, cobrador oficial, pegou a bola. Silêncio. O time da casa, com um a mais, ratificaria o título iminente.
Escolheu o canto e bateu. O grito de gol desceu goela abaixo, porque a bola, pela quinta vez, explodiu na trave. A partir de então, foi um festival de desespero e chuveirinho na área. Com 10, os rebaixados se fecharam, e o iminente campeonato começou a sair do estádio aos poucos, sem que ninguém percebesse. Nem mesmo os 5 minutos de acréscimos ajudaram.

Fim de jogo. Rival campeão em outra cidade, festa adiada, numa tarde inesquecível, que endossou, literalmente, a explicação do capitão derrotado: “perdemos para nós mesmos”. E ninguém do time adversário quis devolver a camisa azul.


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