terça-feira, 31 de março de 2015

OS DETALHES DE GETÚLIO

O sonho de Getúlio era conhecer a Europa. Queria ser o primeiro da família a andar de avião e começar com estilo. Desde que soube da existência do Coliseu, que a torre Eiffel era de verdade e que Atenas saía dos livros, era para lá que seu nariz apontava. Quando soube da promoção da rádio da capital - que sortearia uma viagem a Itália - ficou empolgado. Gastara quase 100 reais em envelopes e não pouparia nas orações. Não havia França nem Grécia, mas isso era só um detalhe.

Estava escrito nas estrelas, chegado o dia do sorteio, colou o ouvido no rádio junto ao pessoal do supermercado e pediu uma oração conjunta. Aos 15 minutos de programa, quando o locutor leu "Getúlio Barradão", o mercado veio abaixo. Chorou como criança e soube que Deus fazia a sua parte. Bastava que o chefe também fizesse e o liberasse do trabalho, mesmo tendo voltado das férias e estando no segundo dia de trabalho. Seriam apenas mais 15 dias. Não receberia pelos 15 dias ausentes nem pelo restante, esse era o acordo para manter o cargo, mas isso era só um detalhe.

Tiraria os dois únicos domingos que restavam a viagem para pegar as roupas de inverno de amigos e parentes. Dividia com todos a alegria de entrar num avião e ficou muito feliz quando um primo de um vizinho disse emprestar luvas e uma máquina fotográfica. Na semana da viagem, as luvas vieram, mas a máquina não pôde vir sabe-se lá por quê. As imagens ficariam apenas na memória, ninguém as veria, mas isso era só um detalhe.

A 5 dias de embarcar, a produção ligou para Getúlio. Justificou que os 15 dias virariam 10, porque a neve impediria a visita a algumas regiões, o que incluía a não ida à missa na praça São Pedro, rezada por Francisco. O rapaz ficou meio contrariado, disperso, disse um ok em relação aos documentos. Não poderia ver uma missa rezada pelo papa, mas isso era só um detalhe.

Um dia antes do embarque e superado pequeno incômodo, os colegas do supermercado fizeram uma festa despedida com macarrão e tudo que lembrasse a Itália. Teve de comprar uma passagem de ônibus até a capital. Não esperaria por isso, já que o primo taxista se comprometeu a levá-lo, porém entre uma viagem de quase 300km e uma corrida até a cidade vizinha, preferiu os 100 reais. Foram uns 120 reais a mais ao turista, mas isso era só um detalhe.

Depois de quase 3 horas de viagem sem dormir, o rapaz desembarcou na rodoviária, onde um motorista da rádio o esperava para levá-lo ao aeroporto. Foram confraternizando durante o itinerário, porque quem conduzia também sonhava em viajar para o exterior. E Getúlio fez votos que teria a mesma sorte que teve e que estava empolgado em conhecer o locutor que leu seu nome, porque era fã incondicional. E o condutor disse que o locutor não estaria lá, teve um contratempo, quem faria a recepção seria a menina do marketing, boazinha ela, diziam, mas isso era só um detalhe.

Chegaram ao aeroporto e a sorridente moça estava lá. Os votos de boa viagem ficaram com Getúlio e o motorista saiu feliz. A moça conduziu o rapaz até o balcão da companhia. Foram conversando alegres e ele ficou ainda mais feliz quando viu a passagem e seu nome nela. Esperaram nada para serem atendidos. Chegando ao balcão, achou linda a moça que lhe sorria, dava-lhe bom-dia e informava que sim, havia lugar na janela. Ele veria Roma de cima, se, em vez do RG, tivesse levado o passaporte, mas isso era só um detalhe.

Nenhum comentário:

Postar um comentário