quinta-feira, 2 de junho de 2016

A MENINA DA FOTO

Fato é que a moça havia perdido a carteira de habilitação na rua. Na pressa de puxar o celular, que tocava incessantemente, com ele veio o documento e dele se separou e no chão ficou.

E, entre os pés apressados, deve ter sido pisado umas duas vezes, mas continua impávido por ali. Sol, tarde, chuva, vento, a santa capinha o protegia de intempéries e afins.

Dia seguinte, passava um rapaz entretido em seu mundo, com o ipod nos ouvidos e os olhos no chão. Viu o documento verde ali e de pronto se agachou. O instinto de olhar aos lados imediatamente foi natural, mas, num domingo pela manhã, seria pouco provável achar um rosto compatível àquele da foto, lindo por sinal.

Imaginou como estaria a menina, de 25 anos, e seus pais, todos preocupados. O BO já deveria ter sido feito, ou um novo documento em vias de ser tirado. Fato também que ele poderia ter se apaixonado pela menina, aqueles clichês que somente acontecem em romances de bancas de jornal.

Nunca se imaginou numa sessão da tarde, mas decidiu guardar o documento, numa espécie de Cinderela moderna. Poderia passar uma vida correndo a cidade para achar a moça.

Não parou sua vida para isso. Mas teve a forte sensação de aquilo ser seu destino. Uma brincadeira deliciosa de momentos felizes vindouros. Ele poderia se apaixonar por aquela foto. Ele queria.

No fim de semana seguinte, voltou ao local torcendo para que a menina também pudesse estar lá. Improvável. Nada. Ela não foi, mesmo que ele tivesse ficado apenas um minuto naquele quarteirão. Seria uma insanidade pensar que ele a acharia. E riu de tudo, crendo que era uma bobagem.

Nos dias que se seguiram, várias vezes se deparava olhando para aquela foto, a música que tocava quando ele encontrou o documento lhe vinha à mente. Ele guardou o documento junto ao seu. Num farol, num momento qualquer, perdeu a conta de quantas vezes a coincidência aparecera.

Era olhar a foto e a música tocar, no rádio, em seu Ipod, numa propaganda de rua, alguém cantarolando. Não podia ser. Tinha de ser ela. Uma semana. Um mês. Dois. Meio ano, e a vida do rapaz estava um inferno. Morria de paixão. Os amigos o incentivaram a colocar a foto nas redes sociais, ainda que ela não estivesse em nenhuma, alguém de vida virtual poderia conhecê-la. Tentou, nada.

E no aniversário de um ano, ele jogou todas as fichas, sonhos e esperanças. Foi para aquele quarteirão, com a mesma roupa, no mesmo horário e com a mesma música nos ouvidos. Quem sabe um ritual forte demais para trazê-la, materializá-la. Quem sabe?

Ela não apareceu, como previsto, porque o previsto sempre impera. E se pudesse saber o que aprendeu com tudo aquilo, diria que despendeu energia demais a algo qualquer, porque nem todos os sonhos merecem nossa atenção, porque nem todos os sonhos são sonhos, podem ser apenas uma boba e caprichosa teimosia.

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