Água,
nem de chuva nem do homem. Comia-se o que dava, porque o que mais se fazia por
ali era dar. E como se dá o nada? Dividia-se um vazio no prato e um buraco no
estômago, mas a fartura no peito transbordava.
Comida
nem no imaginário, não se pode ter imaginação sem oxigênio na mente, e o pouco
que aparecia durante o sono era logo consumido pelos sonhos. E como se rezava
por ali, cantos, orações e terços para um milagre acontecer. E se milagre pode
ter outro nome, uma ONG os revelara.
Era
um domingo, e não chovia quando aquele caminhão levantou poeira. Outros carros
o seguiam. Os olhos fundos nem pensaram, apenas olhavam e não criam. Pessoas
lindas, cabelos limpos e cheirosos. E de dentro daquele monstro começaram a
sair coisas.
Saíam
sacos, saíam garrafas, saíam produtos de limpezas e comida, muita comida. Os quase
300 habitantes não podiam sorrir ou chorar, muita complexidade para tudo
aquilo. Só faziam esticar os mirrados pulsos e tentar segurar tanta coisa.
Logo
as casas estavam abastecidas, as crianças enfim dormiam pela barriga cheia e
não para esquecê-la. E quando pensavam que tudo tinha acabado e que poderiam
enfim chorar ou agradecer. Apareceu um TV. Sim, eles já tinham escutado algo a
respeito, e agora comprovaram que pessoas e a vida poderiam caber ali.
Reuniram-se
em volta para ver qualquer coisa que pudesse e sorriram várias vezes, tocaram a
tela outras mais. E por instantes se calaram e ficaram atentos. Não podiam crer
que se podia pegar dinheiro de avião sendo atirado ao ar. Sim. Havia um bom
homem que fazia isso, linda voz, diriam. E viam que existiam muitos como eles,
desesperados atrás de uma nota ao menos.
Então,
um grupo se reuniu, uns 10 ou menos. Levantou-se e cada qual foi até seu
casebre. Acostumados a dividir, pegaram algo de dentro. Colocaram perto do
caminhão, fazendo todos prometerem que ajudassem os coitados que se matavam
pelo dinheiro.
Não
era justo apenas eles serem agraciados se outros mais também - miseráveis como
eles - careciam de atenção. O TV ficou, acabaria muito mais tarde que todos os
provimentos, mas tão leve quanto os corpos dos de lá estava a consciência de
cada um deles.
Era
abril e fazia 33 graus às 21h.
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