
Não
teve amigos na infância, porque não acreditava nas crianças. Principalmente depois
que o avô morreu, o pai prometera ninguém deixava esse mundo. E as histórias
antes de dormir ficaram apenas nos olhos dele. Não teve mais a mão enrugada
para segurar o livro ou a voz rouca pra embalar seu sono.
Cresceu
isolado. Boas notas. Sem trabalho nem ruídos. A família mal percebeu a
adolescência e não reparou na gravata do primeiro estágio. O silêncio e suas
esquisitices de solidão sempre incomodaram pais e irmãos. E como toda família
tem lá seu doente, a barata de Kafka, decidiram fingir que ele não existia.
E
foi a melhor saída para ambos. “Não se perca nessa vida”, foi o único conselho
que a mãe lhe deu. Mal parava em casa. Trabalhava o dia todo e sentava no fundo
da sala à noite.
Brilhante
funcionário. Estupendo amigo. Irmão bizarro, filho esquisito, sobrinho perdido.
Cansou de tentar entender por que nunca se encaixaria com aquelas pessoas.
Aos
23, saiu de casa, alugou uma quitinete perto do trabalho. Comprou um pró-seco,
mesmo que não bebesse. E teve a noite mais linda que pôde imaginar. Apagou as
luzes, colocou Sinatra no ipod e bebeu vendo as luzes da cidade.
Sentiu-se
acompanhado. Amparado por si mesmo, sem fantasmas nem olhos curiosos. Sabia que
precisava disso, sempre soube.
Bebeu
apenas um copo. Foi até a sacada e teve a certeza de que se morresse naquele
instante seria a pessoa mais feliz do mundo.
Abriu
OS MENINOS DA RUA PAULO e leu para si, imitando a voz do avô, chorou como
nunca, como deveria ter chorado quando ele se foi. Fechou o livro. Enterrou o
avô de vez em sua vida.
Seis
meses depois, durante o almoço, justamente no dia do seu aniversário, viu o pai
e a mãe andando em direção a ele. Não titubeou, ergueu a cabeça e atravessou a
calçada. Soube então que realmente o passado ia deixando coisas pelo caminho.
Entrou
no restaurante e saboreou o melhor contrafilé com fritas da sua vida. Sorriu. Choraria
como criança mais tarde, pela festa surpresa que os amigos fizeram a ele.
E,
pela primeira vez, perdeu a hora no dia seguinte.
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