E lá se vai mais um dia. O rapaz se levantou
como se levantaria num dia de sol ou num dia de chuva. Depois do banho, ligou o
TV e acompanhou os noticiários como no dia anterior. O café ficou pronto no
mesmo tempo e na mesma medida que de anos atrás. Chovia forte naquela manhã.
Enquanto ouvia algo no TV, tomava seu café e
olhava as redes sociais. Deveria ter sorrido com todas as saudações do sucesso
na empresa. Invejado, inspirador, exemplo de dedicação e talento. Mas não
sorriu, preferiu o sanduíche. Chovia forte naquela manhã.
Em 15 minutos, deveria ter respondido
educadamente aos dois emails recebidos da diretoria e da presidência, incluindo
o da matriz em Chicago, porém preferiu se despedir do cão, dando um beijo no
seu focinho. Pegou as 10 pastas que levaria aos 10 da reunião naquele encontro
das 9h30, conferiu o conteúdo, ratificando que a campanha tinha rendido 4 vezes
mais a expectativa da agência, e saiu. Chovia forte naquela manhã.
Pegou o carro na garagem e cumprimentou como
sempre o porteiro, saudando-o com um bom-dia tímido, mas determinado. Gostava
do olhar do senhor, sofrido e profundo, forte e único. Não quis ouvir a sua entrevista
que iria ao ar em poucos minutos, preferiu Glenn Müller, pois se lembrava do pai,
que teria orgulho do filho agora por ter atingido um topo inimaginável na
família, mesmo que ninguém entendesse direito o que realmente o rapaz fazia. Chovia
forte naquela manhã.
Parou na sua vaga de sempre e os sorrisos dos
guardas eram mais largos, mesmo que o time de um deles estivesse mal no
campeonato, pensou que aquela alegria não deveria ser tão sincera assim. E, ignorando tamanha filosofia, compartilhou do momento devolvendo algo não tão
expansivo, porém simpático e sereno. Chovia forte naquela manhã.
Ao entrar, foi aplaudido de pé por todos que
o conheciam e por nem todos que conhecia. Assustou-se, do fundo do coração,
preferiria como em dias anteriores, preferiria seguir até sua sala,
cumprimentar como de costume quem sempre olhou para ele, não quem o olhava por
uma ação. Soube que sempre teve seu valor, o resultado não mudava em nada o que
sempre foi. Chovia forte naquela manhã.
Entrou na sala de reunião antes do previsto,
porque havia uma comissão de senhores engravatados e sorridentes que pediram
para chamá-lo antes mesmo de a reunião começar. Foi abraçado por quem nunca o
viu, foi cumprimentado por nomes que jamais passaram por seus olhos, foi
louvado por pessoas que jamais dividiriam o amendoim do happy-hour. Chovia forte naquela manhã.
Depois de os ânimos se acalmarem. O
presidente pediu a palavra e impediu que o rapaz se sentasse, manteve-o colado
junto a si, sombra a sombra aos lucros, passo a passo ao dinheiro, face a face
com uma pessoa que precisou que alguém explicasse o que o rapaz fez. Um
discurso empolgado, quase convincente. Sentou-se, depois de pedir aplausos mais
uma vez, e deixou que o talento se explicasse. Chovia forte naquela manhã.
Antes de falar, aproximou-se até a larga
janela do 3º andar. Não era tão alto, entretanto podia ver os pingos descerem
rente ao vidro e sumirem antes que tocassem o chão. E foi nesse itinerário que
avistou os carros lá embaixo. Avistou os pedestres, muitos deles com seus
guarda-chuvas. Na calçada do outro lado da rua, viu uma moça, a única sem
guarda-chuva, a única que teimou, sabe-se lá por quê, em olhar para cima. Os
olhares se cruzaram. Parece que ela sorriu a ele. E então fez a única coisa que
deveria fazer naquele instante, saiu da sala, pegou seu guarda-chuva e foi ao encontro dela.
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