Durante o banho, ele sorriu, sorriu porque se
lembrou que podia tudo, que poderia se regenerar de qualquer situação. Talvez
tenha sido enquanto massageava os cabelos com o xampu importado, e sua mente
voou para quando tinha 5 anos, época em que conseguiu convencer 5 garotos com
quase o dobro da idade dele a não atacarem ovos em seu aniversário. A gripe e a
clara do ovo poderiam ser uma combinação química terrível, além da alergia que
matara a avó.
Talvez tenha sido aqui que percebeu o poder
da regeneração ou de evitar o pior. Chegou aos 10, quando não havia estudado
para a prova de Matemática e, numa ousada operação, conseguiu trocar a prova
com a Fernandinha, que caiu de amores pela coragem do menino, dando 10 a ela
também. Foi o primeiro beijo dele.
Enquanto tirava a espuma dos cabelos, chegou
na adolescência, quando conseguiu escapar do pai da moça, que havia voltado de
surpresa de viagem, ficar dependurado na sacada dela, num frio absurdo, sair
ileso e ainda passar a noite com a moça, que berrava alto enquanto os pais
roncavam no quarto ao lado era digno de aplausos, o café na cama com ele,
trazido pela própria mãe merecia uma placa a si.
Passou pelo primeiro estágio, quando percebeu
que entregaria um relatório desastroso ao chefe e subornou o porteiro da noite
e passou a madrugada toda corrigindo os dados de modo correto. As olheiras não
foram nada perto do sufoco que seria perder a renda que pagava sua faculdade.
Estava se enxugando, quando se lembrou que
certa vez se envolvera com a esposa de um comandante da Polícia Militar, que invadiu, quando suspeitou, naquela tarde, cada quarto do motel,
com uma arma, foram mil reais ao casal da faxina para tirarem a roupa, colocar
a mulher no porta-malas e ele se fingir de eletricista. Aqui valeram dois
sorrisos.
Ou o último, quando se livrou do
sequestro-relâmpago, conseguindo abrir a porta de trás em frente a um posto
policial, avisar os guardas dali e testemunhar a morte dos dois. Os arranhões
com a queda ainda estavam lá, como todas as demais lembranças desde há muito.
Sentiu-se um deus, invencível, bento pela
vitória, ungido do impossível. Soube que podia tudo. E sabia que toda a
aplicação que perdera - naquele investimento certo e impossível de naufragar -
de uma forma ou outra teria um reverso. Sim, ainda que as prestações do
apartamento estivessem comprometidas, ainda que o convênio dos pais estivesse
comprometido, mesmo que o carro também entrasse nisso, e que o casamento,
previsto para dali dois meses tivesse de ser adiado.
Os cheques voltariam, a cerimônia seria
cancelada, os convites perderiam o valor e os pais dela entrariam em ação. Mas
pensando em tudo que conseguiu reverter, aquilo viraria estatística. Sorriu
quando o telefone tocou, o amigo rico, a quem pediu ajuda, apenas 50 mil reais,
estava do outro lado da linha, agora, dizendo não.
Pareceu não entender bem o “não”. Pareceu enxergar
que sempre existe uma primeira vez a tudo, e era nisso que pensava enquanto seu
corpo caía do décimo terceiro andar, e foi nisso que pensava quando caiu em
cima daquele capô, enfiando a cabeça no para-brisa. Foi então que o deus da
regeneração provou que encontrara uma saída, pois sempre havia uma, não é
mesmo?
#Comofaz pra parar de ler? Não consigo! Tô emendando um texto no outro! Viciei! :O
ResponderExcluir