Não deveria haver uma explicação tão lógica,
já que esta, em se tratando de sentimentos, é totalmente desprovida de razão e
dos conhecimentos científicos. Mas quis o destino que a menina se apegasse
demais ao pai. Desde muito nova, era ele que a acalmava, era no colo dele
que ela se encontrava, era o rosto dele que ela procurava.
Inversamente proporcional, a menina tinha uma
predileção asquerosa pela mãe. Se tudo funcionava com o homem, com a mulher
servia do oposto. Não eram raros os momentos em que passava o dia todo
dormindo, abrindo os olhos apenas para abrir a boca, seja pra chorar ou pra
comer. Era com a presença dele que ela se apaziguava.
Aos 3 anos, ela tomou contato com a morte,
pela primeira vez, soube que as pessoas se igualavam às coisas, que também
podiam sumir pra sempre. Curiosa, foi com a perda da avó e ao Cristo no quadro,
que a mãe, mulher odiosa e nojenta, falava baixo.
Naquele mesmo dia, perguntou ao herói o que
tanto aquela mulher fazia. Soube então que a figura servia para realizar
pedidos. Se realmente era tão bom quanto o pai garantiu, e o pai era algo maior
que a figura, ela não titubeou. Por dias e noites, assim que pudesse, ela se
ajoelhava e pedia para que a mãe fosse morta, para que ela fosse perdida.
Bastava um descuido da mulher, lá estava a
menina em pé, de olhos colados nos azuis do Homem, pedindo o improvável, o
lógico e o sensato. Não percebia o passar dos dias ou das horas, não percebia
que cada vez mais suas mãozinhas podiam já tocar o quadro. Foram dois anos
assim, até que, numa tarde de sábado, um acidente de carro levou a mulher dela.
No velório, ela se acabava de chorar, mas era
a alegria de saber que agora eram somente ela e o pai, como sempre desejou.
Feliz, feliz, feliz. Até que o pai apareceu, meses depois, com algo mais
nojento do que a mãe. Não podia ser, aquilo não poderia ter acontecido.
A raiva daquela menina de 5 anos foi furiosa
e se sentiu traída. Traída. Só havia uma coisa a ser feita, matar aquele Homem.
Sim, traidor. E, se assim fosse, dobraria o número de dias, dobraria o ódio, dobraria
as horas, dobraria os pedidos, perdeu a conta de quantas vezes olhou naqueles
olhos azuis e desejou: “morra, morra, morra!!!”.
Até que um dia, cerca de um mês, na volta do
colégio, ela ignorou, como sempre, a madrasta e foi direto ao quarto das
orações. Quando lá se deparou com algo que a deixaria paralisada. Sim, não
havia mais quadro algum. Nada. No lugar, havia um Cristo pregado nela. Sim, ela O reconheceu pelo olhar. Ela viu o sangue das mãos e dos pés e teve certeza de
que estava consumado.
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