segunda-feira, 4 de novembro de 2013

SANGUE DE QUAL SANGUE?


Quando Helena ficou sabendo que era adotada, a primeira reação que teve foi de nojo dos pais biológicos e de gratidão e amor eternos aos adotivos. Ela tinha 12 anos e conseguiu ratificar aquela dúvida que sempre pairava nas noites de insônia, nas fotos e nos comentários.

Trancou a informação no rancor da alma e decidiu jogar a chave fora. Mergulhou nos estudos e no seu mundo. A mãe amarguradamente se arrependeu de ter aberto a boca, sempre preferiu a segurança da mentira à instabilidade do real. Soube que deveria ter seguido o instinto.

O pai não, vivia dizendo que o comportamento da menina era da idade e não da verdade. Ao menos se escondia nos livros, um mundo mais seguro e rico que o detrás da porta.

Anos se passaram, e, aos 20, naquela manhã fria, ela abriu a porta da cozinha e disse: “quero conhecê-los de perto!”.

E o medo aparecia. O choro da mãe foi quase um pedido de perdão pelo pecado alheio. O pai abraçava a esposa como um acalento necessário e previsto. Era uma possibilidade, aliás metade de duas escolhas. Por 20 anos o não prevaleceu, agora chegava a hora do sim.

O pai abriu a gaveta que nunca foi aberta, retirou a pasta que nunca mais foi mexida e pegou os nomes que já estavam apagados em sua memória. Entregou-os à menina, que, serenamente, sorriu, deu um beijo nos dois e saiu.

Uma rápida consulta pela internet e descobriu dois casais possíveis, mesmo tendo a certeza de saber já quem corria seus traços e suas veias. Chamou o pai, porque a mãe tomara um calmante fortíssimo. Ele comprovou apenas com um menear de cabeça.

A moça, então, se identificou aos dois, que, em menos de meia hora responderam de modo solícito e cordial. Um encontro marcado para o fim de semana. Ela iria sozinha, assim como os dois do outro lado.

Não eram os porquês, não eram as justificativas, era apenas a curiosidade, pois o sangue se reconhece e se renova com o tempo. E era de sangue que ela falava, apenas a parte física.

Naquele sábado, os pais decidiram sair cedo e deixaram a filha com suas decisões. A mãe chorou o dia todo, o pai a consolou o dia todo. Preferiram sumir e tentar esquecer como seria aquela tarde, como seria aquele encontro.

Tentaram passar o maior tempo possível longe de casa. Decidiram voltar depois das 20h, quando, provavelmente, a filha já estaria de volta. E foi assim que aconteceu.

Eles entraram e viram que ela estava no quarto, escutando aquela canção que a deixava feliz, e a mãe chorou ainda mais. Os planos fracassaram, tantos anos de dedicação e formação esvaíam com apenas uma tarde.
 
O pai bateu à porta. A menina, com a voz agradável, convidou-o a entrar. Ela estava no banheiro tentando retirar as lentes de contato. O pai parou em frente a ela, que sorriu. Ele sorriu de volta, e antes que perguntasse como foi tudo, ela pediu para que ele sentasse em frente ao notebook e olhasse para tela.

Ele assim o fez, sentou. A menina, lá mesmo do banheiro pediu para que ele apertasse o “agora não” na rede social. O pai sorriu, e a música nem tinha ainda chegando ao refrão...
 
 

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