Muitas
vezes, para não falar sempre, não
enxergamos além do que são. Quando como se descobre como se nasce, a primeira
resposta que dizemos é: “Meus pais não fizeram isso”. Ou quando se encontra com
um professor no mercado, o espanto é imediato – vivo isso sempre.
Ou
ainda, quando um artista é visto fazendo qualquer outra coisa que não o
trabalho dele, o julgamento é instantâneo. E por último – propositadamente –
porque vivenciei isso dias desses, quando se vê um mendigo que não mendigando o
choque é iminente.
Estava
em uma das minhas caminhadas pelo bairro. Parei na esquina – aliás um dia
falarei sobre essas esquinas, que me renderão relatos memoráveis – e vi um
morador de rua com uma caneta escrevendo. Fico envergonhado de dizer que me
pareceu bizarro aquilo, porém tive de tirar a capa para entender que ali havia –
por que não? – um ser humano.
Não
sei por quanto tempo fiquei olhando a ele, tentei ver o que poderia estar
escrito ali e foi então que percebi que não escrevia, fazia palavras cruzadas. De
modo ingênuo – seja lá qual sentimento me bateu – eu sorri, feliz, um sorriso
imbecil.
Ele
percebeu minha curiosidade, olhou para mim e devolveu o sorriso. Eu me senti
mais feliz ainda e não me perguntem por quê. Meu desejo, agora que a curiosidade
era tamanha, saber como estava o desempenho dele, se realmente ele levava a
sério ou apenas um devaneio para abstrair a miséria que seguia seus passos.
O
cachorro dele, sempre um cachorro, abanou o rabo para mim – foi um convite,
aproximei-me dos dois agachei para brincar com o pulguento sem antes pedir
permissão ao dono, que consentiu. Apoiei minha mão na cabeça do bicho e olhei
rapidamente à cruzadas, a maioria preenchida.
Pelo
pouco que vi, todas as palavras faziam sentido, horizontais e verticais se
encaixavam perfeitamente. Depois de duas lambidas do fiel companheiro, eu me
levantei, disse um parabéns a ele e
segui, feliz e envergonhado do meu julgamento.
Assim
que me levantei, ele perguntou:
-
Opinião formada antecipadamente sem maior ponderação, 11 letras...
Não
tive condições de pensar naquele momento, porque a resposta que ele acabava de me
dar podava qualquer capacidade de se concatenar algo. Respondi que nada me
vinha à mente, sorri, dei um tchau e segui.
Confesso
que não escutei mais as músicas que tocavam no meu ipod e não tinha certeza se
era por causa da charada ou, posteriormente, por causa das vezes que tive de contar
quantas letras poderia haver na resposta certa, na palavra certa.
Sim,
preconceito tem 11 letras.
melhor texto! Vc é uma das melhores pessoas que já vi.
ResponderExcluir