segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

SCRIPT DE NATAL

Quando ratificaram, em julho, o convite para a noite de natal no novo apartamento, o casal jamais imaginaria que estariam mergulhados numa indiferença cinza. Todas as cores e promessas jamais poderiam cair no esquecimento. O abajur da sala estava sempre aceso, ele não se importava em dormir com a luz ali, contrastando ao escuro do quarto, com o livro pronto para ser lido por ela a qualquer instante.

Há semanas mal se falavam, mal se olhavam e nunca mais se tocaram. Nunca mais. Já não sabiam mais como era agir sem um nem outro. Acostumaram-se ao inverso e dividiam sempre a mesma luz. Já não sabiam mais como seguir por si. Mas a noite do dia 24 de dezembro se aproximava e restava a eles receber os 15 convidados entre pais, sogros e cunhados.

A troca de mensagens pelo grupo do whatsapp não trazia os dois simultaneamente. Ora, ela falava, horas depois ele respondia na interação. E foi assim, em silêncio, que arrumaram tudo. 

Na manhã do evento, eles se trombaram no corredor, e ela pediu para que tentasse, pelos pais e mães dos dois, agir como sempre agiram, como nunca mais agiram, com a promessa de arrumarem tudo assim que a última luz fosse apagada naquele dia. Ele concordou pelo respeito que um ser humano possa ter e seguiu à banca de frutas.

Ela não chorou durante as rabanadas e a farofa especial Não porque não tivesse mais lágrimas, mas porque não havia motivos para tal. Ele encontrou alguns amigos pelo bairro e sorriu como há dias não sorria e desejou que a noite fosse boa a todos e a si mesmo.

Ele chegou e foi preparar o chester, a pedido da sogra. Durante as pinceladas na ave, ela perguntou a  ele se se lembrava da noite que a mãe retirou do prato da nora a fatia mais farta. Eles riram e foi o momento mais suave entre o casal, desde começo de agosto.

A porta se abriu com um sorriso lindo e os olhos brilhando. O marido apareceu logo atrás, segurando a sacola da sogra, não sem antes beijar a esposa e esta devolver o gracejo afagando-lhe seu rosto. E assim o silêncio de meses era quebrado pelo som daquela noite

Entre um drinque e outro, eles trocaram carícias e sorrisos, além de copos e petiscos. Os sorrisos estavam por ali, em cada canto das luzes da árvore, em cada canto das luzes da casa. Antes da ceia, ele pediu a palavra, levantou-se e agradeceu a cada um que ali estava, sempre segurando a mão da esposa. Todos sorriram e ambos coraram.

A entrega dos presentes foi divertida, porque o piano ressoou lindo nas mãos do sogro dela e todos embalaram, afinados até, as canções de natal até acabar em Beatles ou Sinatra, que foi tema da dança do casal há 6 anos e requisitaram um replay todos de lá. E dançaram sem graça em passos quase desenfreados, em pisões quase evitados. E, ainda assim, na última estrofe acertaram o passo.

Aos poucos, o silêncio começou a tomar conta. Aos poucos, os passos foram cessando por ali e alguns mais resistentes ficavam ao redor da mesa, porque o melhor da festa sempre é falar sobre ela já com os pés descalços e as calças desabotoadas. Os cunhados até beberiam o café, entretanto perceberam que a mulher estava dormindo no colo do marido.

Eles decidiram sair de fininho e mandaram o rapaz não se levantar, apagaram as luzes da cozinha, da sala e saíram. Deixaram somente a luz do abajur ali. Ele olhou o rosto cansado da esposa e afastou uma mecha do cabelo que teimava em se emaranhar nos cílios dela. E se lembrou de toda a farsa daquela noite. 

Não mentiria se dissesse que achou interessante. Sem perceber, deu um beijo na bochecha dela. Ela sorriu. E nada mais foi dito a partir daquele momento nem se sabe o que aconteceu, porque a luz do abajur se apagou e isso não estava no script...

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