Antenor
era um senhor dos 81 anos. Falante, trabalhava como barbeiro há 60 anos e hoje
fazia quase nada apenas pela manhã no minúsculo salão perto do aeroporto de
Congonhas. Com o passar dos anos, ele ficou apenas com o zunir forte dos boeings
e de alguns fregueses, pois a maioria já tinha morrido.
Ficava
até às 12h. Havia uns 5 cabelos semanais no máximo, porém não ter a rotina que
o seguiu por tanto tempo o mataria antes de todos os clientes. E ele não queria
vê-los com outros barbeiros. Diziam que a maioria passava por lá mais para
ouvir histórias do que propriamente pela aparência.
E
num almoço de quinta-feira, o assunto não poderia ser mais assombroso. Antenor apareceu
tremendo, com um guardanapo assinado pelo rei, sim, Pelé e Edson estiveram lá,
naquela espelunca, como diria a esposa, cortaram o cabelo, fizeram a barba,
pagaram, assinaram o autógrafo e, por gratidão, por ter salvo a aparência deles,
prometeram ligar nos 82 anos do barbeiro, ou melhor, do hair stylist, como
diria num aramaico único.
Óbvio
que ninguém acreditou, porque Antenor estava mais para alarme falso do que para
incêndio. Seria mais um tempero na insossa vida do velho. Como no dia que foi
chamado para tratar da aparência do falecido Tancredo Neves, mesmo que fosse
pra viajar a Minas.
Como
no dia em que disse que Stan Lee, pai dos X-MEN, copiou uma barba malfeita dele
num cliente para se inspirar no Wolverine ou ainda que – quando moço – no início
de carreira – lançou a moda Beatle de cabelos longos.
Mas,
depois de tanto tempo sem histórias, a do Pelé foi a melhor. E realmente ele
estava crente. Realmente ele ficaria o dia todo ao lado do celular para receber
a ligação do rei. Pediu que a festa fosse organizada, que todos estivessem
presentes. Filhos, netos, bisnetos, amigos etc.
Estava
eufórico e, pela idade, todos estavam preocupados com as iminentes decepção e
humilhação expostas assim.
Noite
de festa, e Antenor só falava do rei. Dizia que poria no viva-voz para todos
escutarem. A cada convidado, a mesma ladainha, como um mantra. O filho mais velho
foi brilhante: Jorjão, um amigo da família, era especialista em imitar famosos.
Então o primogênito não titubeou, pediu para que o amigo fizesse a melhor
imitação do Pelé possível, para que o pai não sofresse essa exposição.
A
festa inteira sabia disso.
O
aniversariante não se desgrudava do celular, estava realmente crente na própria
mentira. Não deixava de ser um excelente anfitrião com histórias e mais
histórias. Mas sempre colocava o aparelho perto do ouvido ou checava para ver
se havia sinal.
Deve
ter sido durante a bandeja da carne louca, o celular gritou alto, mas não tão alto quanto o aniversariante. O número restrito fora perfeito para não
deixar rastros. O silêncio se fez. E o viva-voz ressoou alto:
-
Senhor Antenor? É o Edson! Não pude deixar de ligar para lhe desejar
felicidades, paz, amor e muita saúde! O senhor salvou a minha aparência! Não
poderia aparecer na coletiva com a barba por fazer! Muito obrigado, Deus o
ilumine!
O
silêncio foi geral, o sorriso e as lágrimas do Antenor eram algo tocante,
comovente.
Mas
o que deixou mais boquiabertos os convidados, foi ver, na última frase da
perfeita voz do rei, o Jorjão entrar e abocanhar um sanduíche de carne louca
enquanto todos pensavam que ele jamais pudesse estar de boca cheia naquele instante.
Belo texto. excelente encadeamento de ações, clímax e o fecho, que já era esperado, foi escrito de forma a surpreender o leitor. Parabéns, professor!
ResponderExcluirValeu, Josias, obrigado pelo apoio!
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