Sempre foi alucinada por gatos, mas nunca teve um, a rinite alérgica e a mãe - não necessariamente nessa ordem - eram os empecilhos que a menina teve desde então. Ensaiou por anos com vizinhos, amigos da escola, primos qualquer ser de seu convívio, gato era sinônimo de espirros e comichões.
Julgou-se desafortunada, ninguém poderia nascer com um dom de amar algo a distância. Ninguém tinha o direito de sufocar um sentimento que lhe transbordava a alma. Vivia sanando a alergia com analgésicos ou antibióticos.
Sempre foi da opinião que valeria a pena remediar, não deixava de curtir horas de espirros sem antes abraçar e beijar um bichano. Pensou que ia morrer, quando abriu a porta, certa vez, e se deparou com um lindo gato preto, mirrado que só, a miar para cima.
Tentou escondê-lo por alguns dias da mãe. Teve uma sensacional camuflagem por exatas 36 horas, o leite em abundância e a pele rubra, além, claro, dos atchins entregaram a garota, que chorou como nunca quando o pai levou o bicho embora.
Soube que teria de viver numa bolha contra os felinos se quisesse amá-los. Passou a adolescência amando a distância, desejando em sonhos. Chegava até a acordar espirrando quando se deparava com um em seus sonos.
Virou uma adulta com uma parte frustrada. Havia uma coleção de pelúcias, fotos, camisetas e até uma tatuagem com os bichanos. Foi quando, por uma amiga, soube dos Sphynxs, uma raça de gatos sem pelos. Sim. Um milagre, como isso podia ser.
Viu um numa revista e se apaixonou, nem mesmo os 3 mil reais poderia ser um terceiro empecilho. Sabia que teria de ter um. Apertou de todos os lados e, em seis meses, conseguiu o dinheiro. Foi a mesma amiga que a levou ao criadouro, ela não conseguiria dirigir e teria de voltar com o filhote no colo.
Chegaram ao local, mas a menina não teve coragem de sair do carro. A amiga teve de descer, negociar tudo, pagar e sair com uma fêmea de olhos esbugalhados, sem pelo algum: perfeita! Enquanto se encaminhava ao carro, viu a amiga chorando lá de dentro, não se contendo do sonho, finalmente ela estava acordada.
A porta foi aberta, a Sphynx colocada nos braços da mãe e um espirro. Outro agora, mais dois antes de a amiga fechar a porta, mais três até o carro seguir e, durante todos os 50 km, os espirros foram incontáveis, insuportáveis e infindáveis. Estava consumado, a moça não teria um gato em sua vida.
Chorou como nunca naquela noite, a última chance de estar plena foi apagada de seus dias.
Existem pessoas que não andam. Há aquelas que não escutam ou outras que não enxergam. Existem pessoas que não têm amigos. Há aquelas que não têm gatos. E há os Sphynxs que não têm Whyskas todos os dias.
Mesmo assim, a vida continua...
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