Aqui
se podem colocar aquelas trilhas sonoras ao estilo sábado à tarde dos anos 80,
amiguinhas desde o jardim de infância. Caras e caretas, giz de cera na parede,
rostos com guaches, a primeira dança de balé, a ida ao zoológico, dividindo
algodões doces e Milk-shakes, as duas de noivinhas caipiras, praia em janeiro,
ovos de páscoa em abril, fogueira no acampamento de julho, as Barbies em
outubro e uma em cada perna no Papai Noel em dezembro.
E
já que o assunto poderia ser filmes, vejamos aqui um Gremlin alimentado depois
da meia-noite ou aquele bichinho inofensivo do Jurassic Park 1, que de repente
se transforma num monstro, abrindo as ventosas. Sim, toda amizade entre as
mulheres tem data de validade: o dia em que uma ou outra pode se tornar rival,
ainda que na mente delas, pelo mesmo homem.
Fato:
amizade sincera entre mulheres só existe quando não há um homem em comum no
caminho. O que vai se seguir aqui não é algo inédito, mas uma reprise dentre
muitos e muitos casos falidos de amor eterno e amizades inabaláveis. Cara, se
você não vivenciou o assunto em questão, conhece quem protagonizou ou será
protagonista em breve.
As
fotos do parágrafo acima existem, passou pelas mãos do rapaz. Uma aqui em São
Paulo, a outra em Belo Horizonte. Amizade sólida de 20 anos, horas no telefone,
porque o MSN não existia ainda. Falavam-se todos os dias ou pelo menos 4 vezes
por semana. E se viam sempre que possível. Se uma espirrava, a outra assoava.
Namorado novo, notícia fresca. E naquela Páscoa o príncipe encantado paulistano
conheceria a alma gêmea feminina.
Em
certos momentos, havia até uma ponta de ciúmes dele para com a amiga, mas a
amizade delas era mais antiga que o namoro e se o relacionamento tinha de dar
certo, ele deveria aceitar, pois cada um tinha uma parcela dentro do coração da
garota (era isso o que eu escutei) – havia espaço para todos, cada qual com o
pedaço que lhe cabia.
Fernão
Dias com tráfego, aniversário de 4 meses de namoro, Celine Dion – ainda que a
contragosto dele – no rádio. Quarto reservado no apartamento da amiga, lençóis
novos. Bacalhoada na casa da tia na sexta. Churrasco no sábado e almoço com
toda a família no domingo. O namorado perfeito, sim, foi o único que teria a
honra de conhecer a amiga.
Claro,
de surpresas também se vive, a mineira não tinha falado do regime, dos 7 quilos
a menos nem dos cabelos curtos e loiros. Depois de 6 horas de viagem, chegaram
e quase ensurdeceu aos berros das duas e aos elogios da namorada ao lindo
visual da menina, amante de leitura, cinema e de rock’n’roll. Os cunhados foram
apresentados e a empatia foi imediata. E aquela quinta-feira à noite foi regada
a vinho, a um bar de classic rock. E a namorada estava radiante ao ver os dois
cantando. Perfeito, tudo (risos).
Na
manhã seguinte, a namorada, sempre dorminhoca, ficou na cama, e ele estava lá,
todo solícito, ajudando a fazer o café, quase brunch. Ela acordou com as
risadas dos dois, ela fazendo de guitarra uma colher de pau e ele emendando
Judas Priest com o garfo da batedeira. Parece que ela sorriu e ficou com a
pulga atrás da orelha quando escutou:
-
Amiga, eu preciso arranjar um desses para mim!
Claro,
um elogio e tanto. O café transcorreu num diálogo a dois. Tudo bem que ela mal
curtia literatura e o último livro que lera for ao resumo de DOM CASMURRO. Tudo
bem que ela só gostava de desenhos e achava chato discutir roteiros de cinema.
Tudo bem que ela pensasse que HARLEY DAVIDSON era uma banda. Mas aquelas
conversas já a estavam cansando. E o bacalhau na casa da tia foi um sucesso, o
rapaz era a atração da tarde
Num
cômodo qualquer, a namorada disse que ele não precisava ser tão simpático e que
devia ficar mais ao lado dela. Vale lembrar que foi a mesma pessoa que disse ao
rapaz não ficar a todo instante pedindo atenção, porque ele tinha de se
misturar com a família da amiga, até hoje a segunda família dela. Em vão, ele
já estava entregue aos braços de todos. Como a namorada queria. Pelo menos ela
pensou que quisesse isso. E além de tudo, apareceu um violão, pronto.
Festa
completa. Até se esqueceram do resguardo do dia santo, e a namorada estava ao
lado dele. Nada sabia de rock nem inglês, não podia pedir, coisa que primos,
primas e a amiga fizeram à exaustão. E o humor mudou por completo quando o
namorado dedicou uma música à amiga. Não adiantou falar que HOTEL CALIFORNIA
não era um local onde se passa lua de mel.
Era
apenas a música que a introduziu na música, coisa que deixou a mulher louca,
porque ela sabia tudo da amiga e aquilo era novidade. Mas como poderia saber
isso se ela, a namorada, nada entendia de rock? Era como falar a um holandês
que Adoniran Barbosa mudou sua vida.
E
quando nada pode ser pior, piora. Chegaram ao apartamento da amiga e antes de
começarem a ver um filme, ela pegou as fotos antigas das duas. No início as
duas estavam se divertindo, até que ele fizera o comentário:
-
Nossa, você fez um belo UPGRADE.
Disso ela sabia, não era uma banda de
rock. Do nada, levantou-se dizendo estar
com dor de cabeça, e isso, o rapaz e a amiga sabiam ser um blefe.
Descontrolada, porém controlada – as mulheres educadas conseguem isso – ela se
recolheu e deixou os dois na sala, tinha certeza de que ele viria atrás e
terminariam a sexta santa bem, mesmo não se podendo comer carne. Entretanto não
foi isso o que aconteceu.
Eles se entretiveram na sala, principalmente
ao ver as fotos dela no primeiro Rock In Rio, em 85, e se divertiram mais ainda
quando a amiga contou que a namorada não fora porque os Menudos não estariam
lá. A primeira discussão entre eles. Clima insustentável. Não havia mais razão
para ficar. A amiga engoliu a desculpa da morte do tio-avô dele. Em vez da
picanha daquele dia, tinham a Fernão Dias pela frente. Ele tentando desfazer o
equívoco que não provocou e ela de bico.
A amiga mineira nunca mais tivera
notícias da amiga paulistana, e a paulistana jamais soubera quais seriam as
novidades da Minas Gerais. Nunca mais se falaram. Ela a perdera, ela o perdera
e ela o perdera também. E no mural de uma parede de um quarto em Belo
Horizonte, uma foto de três amigos estava cortada. Nela, a paulistana não
aparecia, o casal era outro, as extremidades foram coladas por baixo de um
coração.
Muito legal! E sobre o fato de algumas mulheres não conseguirem manter amizades, aliás nem conseguem fazer com pessoas do mesmo sexo?
ResponderExcluirPois é, Michels, algumas preferem um a outra!
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