O mundo do conforto sempre seduziu os homens
e não posso falar que me excluo do grupo. E não falo de tecidos felpudos,
ambiente aromatizado e saldo bancário farto. Falo do previsível, da deliciosa
rotina de saber tudo o que as horas vão trazer. O comodismo como arma, o
anonimato como garantia, a não-novidade como sombra.
Minhas análises e medidas não acontecem no
dia 31 de dezembro, acontecem dois meses depois. É no meu aniversário que
reavalio meu ano. E hoje, prestes a mais um, percebo que as zonas de conforto
sempre foram um atrativo a ser transposto.
Engraçado pensar que negar o certo e fugir de
todos os clichês, contrariando meu pai, conformista assumido, pode e todas as
vezes foi o melhor a ser feito. E estou me remetendo a todas as vezes que senti
que negar o óbvio e a segurança – com a iminência do sucesso – foi o melhor a
ser feito.
Em 1985 – tudo bem que aos 12 anos andar de
bicicleta pelo bairro ou por ruas que você nunca tenha entrado é um desafio e
tanto – quem me conhecia sabia dos meus dons com a música e com o violão. Era o
garoto afinadinho. Daí me apareceu o coral da escola e o primeiro desafio de
sair do comodismo.
Medo. “E seu eu perceber que sou apenas uma
promessa, um rei entre o nada?”. Fui assim mesmo. Soube que havia feito a
escolha certa quando o maestro, num ensaio, me chamou à frente e me fez fazer
um solo, mostrando um exemplo de dedicação a ser seguido. Fui aplaudido pela
primeira sem ser meu aniversário.
Anos mais tarde, quando ingressei na
faculdade, vi-me diante de um estágio dos sonhos: criar materiais didáticos com
histórias infantis por uma franquia japonesa de educação. Havia largado dois
empregos, porque não se encaixavam no que queria em minha vida. Lembro-me de
que, no primeiro dia, estava com medo. Confesso que pensei em achar um motivo
para desistir. Mas não.
Quando percebi, havia dado a eles e –
principalmente – a mim 3 livros didáticos espalhados pelo Brasil todo. Soube
que havia feito a escolha certa quando no lançamento destes materiais, por uma
plateia de 300 professores fui aplaudido em pé. Foi a segunda vez que era
aplaudido sem ser meu aniversário.
Poucos anos depois, já com alguma experiência
em lecionar, apareceu a oportunidade de entrar no mundo dos concursos públicos.
Daria aulas a pessoas formadas, um público adulto exigente. Lembro que no
primeiro dia que entrei numa sala de quase 100 alunos minha vontade era a de
sumir. Quando entrei ao ramo, era o terceiro professor, pegava apenas o resto do resto das aulas.
Soube que havia feito a escolha certa quando,
anos depois, ao entrar numa sala apenas para saber como havia sido o desempenho deles numa
prova, fui aplaudido e ovacionado. Foi a terceira vez que fui aplaudido sem ser
meu aniversário.
E hoje, um outro desafio aparece a mim. Mais
ousado, mais amplo e tremendamente assustador: aulas online. Sempre sinto um
arrepio na espinha a cada nova turma que começo. E esta é a maior que se pode
ter: a nação toda. Não sei como será o resultado. Saberei isso melhor daqui a
um ano.
Mas antes mesmo de saber se haverá aplausos,
antes mesmo de pensar se serei merecedor deles, eu os tomo para mim antecipadamente, porque meus 41 anos chegam amanhã, afinal
a zona de conforto agora me cai ideal.


